Pular para o conteúdo principal

Ajudante da professora

Não é que minha infância tenha sido diferente da do resto do mundo, mas o fato é que eu nunca me senti alguém normal.

Ainda no pré-escolar, haviam outras 32 crianças que estudavam comigo. A cada dia do mês, dependendo da ordem alfabética da lista de chamada, um(a) aluno(a) era escolhido(a) para ser ajudante da professora.

As tarefas de um ajudante eram simples:

  • apagar o quadro negro;
  • buscar água para a professora;
  • garantir que os colegas de classe voltassem para a sala após o recreio;
  • e outras tarefas simples como essas.

Meus colegas de classe viam no fato de ser ajudante uma oportunidade de serem mais "respeitados". Era como se tornar o braço direito da xerife em uma região de desigualdades. Ser elegido como ajudante era equivalente a ser condecorado, pelo próprio presidente da república, com uma medalha por salvar a pátria.


Entretanto, eu não pensava da mesma forma. Para mim, era um verdadeiro castigo ser ajudante da professora!

Quando criança era tão, mas tão tímida, que preferia fingir ser invisível. Sentia satisfação quando não era lembrada, ou mencionada, principalmente pela professora. Então, quando todo dia primeiro do mês ela me sondava, eu meio que...


Não é que eu não quisesse ajudar a professora, ou mesmo que não gostasse dela. Na verdade eu não só tinha vergonha de apagar o quadro negro diante de toda a turma, como já me esquivava de simples olhares. Às vezes eu até tentava sair do meu casulo, mas no fim sempre desistia, e como um mês tem no máximo 31 dias, e na minha turma tinha um total de 32 crianças, o último aluno da chama sempre aceitava ser ajudante em meu lugar.

Meu "não" passou a ser dito com gosto quando percebi que minha renúncia trazia felicidade a outra pessoa. Era como se minhas frustrações fossem, desde sempre, menores do que a felicidade alheia. Eu me sentia como uma santa criatura divina, que proporcionava alegria aos carentes.


Mas, no fim, sabia que meu ato de "caridade" era apenas uma desculpa que eu dava a mim mesma para que não me sentisse uma covarde...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Prece

O arco da aliança 29 maio 2019 Livrai-me, oh Pai, deste sentimento minguado, da sede da alma, dos maus pensamentos. Livrai-me da insegurança em mim mesma e dos lamentos que por isso reverbero. Livrai-me das noites sem dormir, do dormir acordada e do dormir sem sonhar com o que há de melhor nesta vida. Livrai-me, Pai, da ideia exaustiva, da luta desnecessária contra meus moinhos de vento. Livrai-me do incrédulo e do inútil. Livrai-me da comodidade dos incomodados. Livrai-me da fome pelo constrangimento. Livrai-me daquele jeito com jeito. Mas livrai-me, oh Pai, em primeiro momento: do viver sem ar, do existir sem sentido, dos sentimentos que apenas desaparecem quando estou na tua Presença. Alane Moura, 11 abril 2023.

E-mail para o céu

Vovó, Eu passei dias tentando criar coragem para te escrever algo. Não sei exatamente o porque, embora os motivos possam ser suficientes para ti, mas minha mente travou de tal maneira que até repensei se deveria mesmo te escrever algo. Só tomei a decisão de fazê-lo, devo dizer, por que talvez não me perdoasse de não fazer algo a respeito dessa saudade desmedida. Enfim... Bem, os dias aqui estão estranhos. É triste sentar ao sofá, ao alcance de onde sempre assistíamos TV, sem que esteja lá para me colocar a par das novidades nas novelas. Apesar do vazio, a sensação que tenho é que vou despertar de um cochilo a qualquer momento, e que ao abrir os olhos a senhora vai estar lá, rindo da minha desorientação. Talvez esse reencontro até aconteça um dia, mas espero estar velha também para que possamos dessa vez trocar experiências mais maduras. Suas filhas estão bem mais tristes, mas eu acho que é porque elas conviveram muito mais tempo contigo do que eu. Na verdade, talvez elas...

Saiba + Licantropia

Qual é a história de "Licantropia"? Licantropia é um romance de fantasia e terror, uma história de vingança e redenção, que se passa ao final do século XIX, em uma pacata e fictícia cidade: "Pastos Verdes". No momento, o clima simples da região de Pastos é abalada com a chegada do progresso. Por todo a cidade não se fala em outra coisa senão as locomotivas e as linhas de ferro. Com isso, o maior desejo dos poderosos passa a ser expandir seus negócios, acelerá-los conforme a velocidade das máquinas, e para alguns deles, como o Barão de Pastos, não há limites para atingir a conquista. Alheios a esse clima de competição, Pedro e sua família vivem felizes em suas terras até que seu pai, o orgulhoso Rubião, nega uma proposta de venda de sua fazenda, tomada para a expansão da construção férrea. Como ter acesso a obra? 1. Procurar por "Licantropia" na loja da Amazon e realizar a compra do livro através do seguinte link: clique aqui . L...