Vovó,
Eu passei dias tentando criar coragem para te escrever algo. Não sei exatamente o porque, embora os motivos possam ser suficientes para ti, mas minha mente travou de tal maneira que até repensei se deveria mesmo te escrever algo. Só tomei a decisão de fazê-lo, devo dizer, por que talvez não me perdoasse de não fazer algo a respeito dessa saudade desmedida. Enfim...
Bem, os dias aqui estão estranhos. É triste sentar ao sofá, ao alcance de onde sempre assistíamos TV, sem que esteja lá para me colocar a par das novidades nas novelas. Apesar do vazio, a sensação que tenho é que vou despertar de um cochilo a qualquer momento, e que ao abrir os olhos a senhora vai estar lá, rindo da minha desorientação. Talvez esse reencontro até aconteça um dia, mas espero estar velha também para que possamos dessa vez trocar experiências mais maduras.
Suas filhas estão bem mais tristes, mas eu acho que é porque elas conviveram muito mais tempo contigo do que eu. Na verdade, talvez elas não acreditem que a senhora esteja em um lugar melhor que este, livre de dores e reencontrando seus pais, marido, irmãos e os amados quatro filhos, dos quais a senhora se lembrava todos os dias. Aliás, como será que estão todos? Diga a eles que me recordo dos que conheci, até de Vovô, mesmo tendo apenas três anos quando ele se foi.
Gostei de como a senhora se manteve firme até o final. Demonstrou até o fim ser a pessoa mais forte que já conheci. Foi com essa virtude que a senhora mais ajudou a me edificar. Admirar a austeridade de quem lutava com unhas e dentes pelo que acreditava, e para defender os que amava, me deu uma inspiração, um ideal de garra e perspicácia nessa jornada. Mesmo eu tentando ser tão autêntica quanto um dia a senhora foi, sinto que ainda tenho muito a aprender com isso. Na verdade, creio que essa habilidade é como uma arte, que a senhora passou a dominar com o tempo, mas que eu ainda preciso de elementos, percurso e caminhada, para torná-la cada vez mais aprimorada.
Saiba que eu nunca vou esquecer os seus consolos quando eu, ainda criança, chorava pela ausência da minha mãe. Desculpe-me por não entender que ela tinha ido só trabalhar e que, apesar de não ser do tipo doce e carismática, eu tinha alguém ainda mais maternal em casa e sempre ao meu lado. Enquanto o mundo mudava a minha volta e eu sofria para me adaptar, mesmo no silêncio, parece que a senhora sabia quando eu precisava daquelas palavras que tanto me fizeram crescer.
Enfim, Vovó, desculpe-me por nunca ter conseguido agradecer devidamente por tudo. Entretanto, sei que nunca precisamos falar para compreender os sentimentos uma da outra. Sempre bastou um sorriso ou um olhar, ou qualquer outro sinal desenvolvido durante esses 23 anos (minha idade atual) em que ficávamos em casa sozinhas, mas juntas. A senhora nunca deixará de fazer parte de mim, por que eu não seria quem sou sem ti. Espero que esteja bem aí, descansando enfim na mais absoluta e merecida paz.
Ps.: vai levar um tempo até nossa família se adaptar a essa nova realidade, mas não se preocupe. Ficaremos bem na certeza de que, apesar da distância, a senhora está bem também. E agradeça por mim a quem leu este e-mail para a senhora... Espero que tenha passado bem a mensagem (rsrs).
Com muita gratidão e amor,
de sua bisneta Alane.
🙏👏👏👏👏
ResponderExcluir