Pular para o conteúdo principal

As línguas da ficção

"A criação de mundos"
10 de abril de 2018


Para escritores, principalmente do gênero fantasia, a criação de uma língua "inédita" ajuda na contextualização e verossimilhança da narrativa. Na literatura moderna, pude ver com George R. R. Martin alguns dos principais aspectos linguísticos a serem considerados durante esse árduo processo de composição.

Antes de qualquer coisa, vamos ver alguns desses mencionados aspectos linguísticos no vídeo a seguir, do canal Nerdologia:




Como bem explica o vídeo, Tolkien foi e continua a ser um parâmetro para esse quesito. Ele chegou a criar inúmeras línguas, ao ponto de tornar suas narrativas apenas um reflexo dessa criação. Isso porque, de fato, as línguas contam histórias.

Não é difícil precisar apenas uma razão responsável por tornar línguas, como exemplo o português e o espanhol, tão próximas em questão de ortografia e sintaxe. Além de Portugal e Espanha terem mantido relações políticas importantes durante sua história, isso pode ter acontecido também porque os países são relativamente próximos geograficamente.


Mapa Espanha e Portugal.
Fonte: https://www.viajecomigo.com/2018/09/11/mapa-espanha/


Também podemos observar um processo similar nas variações da própria língua portuguesa aqui mesmo no Brasil. Quando viajamos do Rio Grande do Norte à Paraíba, por exemplo, encontramos poucas discrepâncias nas variações linguísticas na fala, ao menos quando em relação a estados mais distantes como São Paulo ou Rio de Janeiro. Portanto, a questão geográfica é um fator importante a ser considerado na criação de uma língua fictícia, ainda que não seja completamente definitiva.

Durante séculos, mais precisamente entre 711 e 1492 D.C., a Península Ibérica foi tomada por árabes/muçulmanos. Além de influenciarem na arquitetura e cultura dos países da região, os árabes também contribuíram para as suas línguas, introduzindo em seu vocabulário termos como alcohol no espanhol - álcool no português - e algodón no espanhol - algodão no português.


Reinos cristãos da Península Ibérica durante o processo de reconquista.
Fonte: https://historiaegeografiadeportugal.wordpress.com/3-2/


Para justificar a formação de uma língua e torná-la o mais verossímil possível é preciso, portanto, mostrar que ela é complexa e que, por isso, conta histórias como a tomada da Península Ibérica e sua reconquista. Além disso, deve-se considerar que a língua é um fato cultural e que, por isso, está diretamente relacionada a costumes e crenças de determinado povo. Isso quer dizer que você pode considerar, na sua língua, a existência de palavras que não necessariamente devem apresentar tradução em outras línguas.

Além disso, conforme ainda apresenta o vídeo, em histórias como as de George R. R. Martin, principalmente em As Crônicas de Gelo e Fogo, pode-se também considerar a existência de uma língua antiga, ou uma língua "suporte". Essa língua funcionaria mais ou menos como o latim: ela serviria como base estrutural na formação das línguas modernas, assim como aconteceu com o português e o espanhol, por exemplo.

Acredito que assim, considerando esses e outros complexos valores linguísticos e filológicos, sua obra terá maiores chances de ser levada a sério nesse concorrido mundo literário. Não basta apenas digitar ou desenhar qualquer coisa, é preciso pensar na influência que a língua criada possui em relação a história e a cultura de seus falantes (no caso, seus personagens).

Até hoje, nunca senti a necessidade de criar uma língua em minhas histórias. Já criei sim sotaques, derivações linguísticas de uma língua já existente (no caso, o português). Essa experiência, posso dizer, não foi nada fácil. Além de precisar pensar na razão pela qual os meus personagens falavam daquele jeito, ainda ponderei se todos eles deveriam falar igualmente (considerei nisso o grau de proximidade com a localidade retratada, bem como o grau de conhecimento normativo de determinado personagem). Enfim, aconselho que não tente criar uma língua se de fato não tiver em mente uma função específica para ela em sua narrativa, ou seja, se não for para agregar algo em seu argumento.

Recomendo que, além de lerem mais sobre, assistam um filme chamado "A chegada" de 2016. Ele demonstra conceitos linguísticos importantes sobre as línguas e pode ajudar bastante:


A Chegada - Filme 2016 - AdoroCinema
Fonte: <http://www.adorocinema.com/filmes/filme-226509/>.
Entre no link e leia a sinopse do filme.


Mas se o filme não deixar as coisas claras o suficiente, assista a esse vídeo do canal Nerdologia logo em seguida, pois ele poderá auxiliar bastante a esclarecer os seus principais conceitos.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Saga de Baleia

Cientistas tentam, desde remotos tempos, compreender como funciona a cabeça dos caninos. Tudo o que sabem é ainda muito limitado e pode não ser aplicado com tamanha firmeza quando falamos do Baleia. Devemos considerar que seu nome não fora forjado especificamente por seu porte físico. Baleia, na verdade, é um cão magrelo e rabugento, que fuçava os clientes de uma pequena lanchonete na tentativa de induzi-los a dar-lhe comida. Seu nome foi escolhido por sua semelhança icônica com o cãozinho Baleia, magistralmente descrita por Graciliano Ramos no consagrado "Vidas Secas", que por sua vez suponho que deve ter o escolhido por pura ironia. A saga de Baleia não durou mais que uma tarde, mas foi suficientemente distinta para valer a apreciação de alguns versos despropositais. Tudo começou no almoço, quando Baleia se aproximou com desdém da mesa onde estavam sentados quatro estudantes da UFRN. Não havia como reconhecê-los desde sempre, pois em verdade Baleia viveu sua miserá

Cabeça de Árvore

Às vezes, fico a imaginar: e se toda cabeça fosse uma árvore? O caule seria o pescoço, a sustentação, e os galhos seriam as veias, responsáveis por conduzir os nutrientes, por ligar as pontas? As folhas, na minha árvore, poderiam ser os neurônios, mas também o oxi(gênio), o ar, os pulmões? Mas o que me interessaria mais seriam as flores e os frutos, afinal, como eles se produziriam naquele jardim? Quais frutos poderiam dar a minha cabeça? Bons? Ruins? Azedos? Amargos? Doces? Aguados? Será que os passarinhos voariam até minha cabeça, comeriam os meus frutos e construiriam os seus ninhos entre os meus galhos? Será que alguém conseguiria viver nas minhas ideias e se alimentar delas? E como seria morar entre as flores novas e velhas? Imagino a confusão, a angústia das noites de inverno frio, quando os pesadelos dessem asas à boa e a má imaginação. Imagino o vento cortante a me deflorar no outono, durante uma tempestade, a me despedaçar como a decepção que cerca a realidade distante, monóto

A jornada "clichê" do herói

Já percebeu que vários heróis da ficção, e diversos personagens do mundo antigo, frequentemente apresentam algumas características em comum? Já imaginou qual poderia ser a razão disso? Pois bem, aqui você irá conhecer o legado de Joseph Campbell para as ficções e finalmente por um fim em todas essas dúvidas. O herói de mil faces  tornou-se um livro de referência aos escritores. Campbell, no entanto, era estudioso e teórico da mitologia. Nessa obra, especificamente, ele buscou apresentar conceitos que os heróis mitológicos compartilhavam em comum, mas acabou trazendo à luz uma fórmula que seria utilizada por diversos contadores de histórias, no decorrer das mais diversas épocas: a jornada do herói. A jornada do herói. Disponível em:  https://expertdigital.net/a-jornada-do-heroi-pode-levar-seu-marketing-de-conteudo-a-novas-alturas/#gsc.tab=0 . Acesso 19 jun. 2020. A jornada do herói começa no mundo como conhecemos, ou como nos é apresentado na narrativa. O herói arquétipo, figura comumen