Pular para o conteúdo principal

Meu caro Cético: um bem renunciado

Design: @alanemouras


Meu caro Cético,

Compreender a humildade a qual me referi na última carta não é difícil, talvez apenas seja complicado o ato de praticá-la de verdade. Afinal não é todo mundo que está sempre disposto a renegar os luxos desse mundo ou confiar a Deus sua própria vida. Para explicar esses dois pontos, antes eu precisarei dividir essa carta em duas. Detenho-me nesta a falar apenas a respeito da renúncia aos bens terrenos. 

A verdade é que muitas pessoas são apegadas a riquezas deste mundo. Não à toa Jesus dizia que era mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus (Mateus 19: 23-25). Note-se que, por causa da interpretação dessa fala, o cristianismo passou muito tempo sendo apenas a religião dos pobres. Mas a questão aqui - e acho que era a isso que o meu Mestre estava se referindo nesse trecho - não quer dizer que ter dinheiro seja algo ruim, mas sim falar que em adorá-lo acima de tudo esteja o problema.

O amor aos bens materiais fere, inclusive, o primeiro mandamento da Lei: amai a Deus sobre todas as coisas. Entretanto não sou hipócrita. É claro que não podemos nos autossustentar nesse mundo sem o dinheiro. Apenas o ato de viver aqui demanda muito custo realmente. Mas o que também não podemos, mesmo assim, é fazer da busca pelo dinheiro o centro de nossas vidas apenas por causa disso. O centro de nossa vida deve ser adorar a Deus e buscar o Seu Reino, pois somente assim estaremos verdadeiramente salvos do abismo. 

O rei Salomão, filho e herdeiro de Davi, era muito rico. Ele passou a vida inteira usufruindo de todos os prazeres que o poder aquisitivo poderia proporcionar a alguém. No final da vida, entretanto, descobriu-se infeliz e, atormentado, escreveu o livro de Eclesiastes. Nesse livro, como que partindo de um diálogo interno, ele percebeu que qualquer felicidade fora de Deus é vaidade, ilusão passageira, e que os luxos terrenos, no final das contas, não lhe serviriam de nada. A felicidade não estava precisamente nas coisas que possuía, mas sim no que poderia fazer com tanto poder.

Acho que um cristão rico é um cristão cheio de responsabilidades. É dever seu compartilhar do que tem com os pobres e necessitados. E, veja bem, isso não é só sobre dinheiro, mas também sobre virtudes pessoais. O que vemos muito por aí são pessoas que buscam no compartilhar com os outros as suas próprias glórias. Em Mateus 6:3, Jesus dizia "não saiba a tua mão esquerda o que faz a direita". Isso quer dizer que o ato de doar não deve partir de aparências. Não devo praticar a caridade para que me sinta melhor ou mesmo para que pareça ser mais bondoso do que os outros. Lembre-se: isso pode beirar o orgulho, o câncer espiritual, do qual já falamos anteriormente. Nesse caso, eu penso: a caridade é o prazer de proporcionar aos outros um pouco do conforto que antes era apenas seu.

É verdade que Jesus, nosso salvador, não possuía grandes riquezas materiais. Quando leio o novo testamento, inclusive, tenho a impressão de que Ele não possuía nada além da própria roupa do corpo. Tudo o que teve foi doado, emprestado momentaneamente, porque na verdade Ele não veio a este mundo para acumular bens materiais. Ele veio cumprir a vontade do Pai, fundar Sua igreja para a nossa salvação. E não é que Ele precisasse de dinheiro, inclusive, pois já era Rei de um mundo muito melhor do que este e na sua missão o Pai Lhe sustentava. É por isso que sempre digo que, em questão de virtude, ninguém era mais rico que o Cristo. E, no final das contas, é isso o que importa para o Pai.

O que eu quero dizer, Cético, em outras palavras: é que não existe um meio de comprar um lugar no Reino de Deus, há apenas como conquistá-lo com as nossas virtudes e humildades. Doar é apenas um dos meios pelos quais os mais abastados podem buscar o Reino de Deus. O dar, sem pensar em receber nada em troca, demonstra uma humildade que é praticada com o coração. E é isso o que realmente importa. Praticar o bem pelo bem.


Ciça Ribeiro,

29 de julho de 2015.



_______

Essa é a sua primeira carta e você não está entendendo nada? CLIQUE AQUI, navegue pelos links do nosso sumário e saiba mais sobre esse projeto!

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Prece

O arco da aliança 29 maio 2019 Livrai-me, oh Pai, deste sentimento minguado, da sede da alma, dos maus pensamentos. Livrai-me da insegurança em mim mesma e dos lamentos que por isso reverbero. Livrai-me das noites sem dormir, do dormir acordada e do dormir sem sonhar com o que há de melhor nesta vida. Livrai-me, Pai, da ideia exaustiva, da luta desnecessária contra meus moinhos de vento. Livrai-me do incrédulo e do inútil. Livrai-me da comodidade dos incomodados. Livrai-me da fome pelo constrangimento. Livrai-me daquele jeito com jeito. Mas livrai-me, oh Pai, em primeiro momento: do viver sem ar, do existir sem sentido, dos sentimentos que apenas desaparecem quando estou na tua Presença. Alane Moura, 11 abril 2023.

A jornada "clichê" do herói

Já percebeu que vários heróis da ficção, e diversos personagens do mundo antigo, frequentemente apresentam algumas características em comum? Já imaginou qual poderia ser a razão disso? Pois bem, aqui você irá conhecer o legado de Joseph Campbell para as ficções e finalmente por um fim em todas essas dúvidas. O herói de mil faces  tornou-se um livro de referência aos escritores. Campbell, no entanto, era estudioso e teórico da mitologia. Nessa obra, especificamente, ele buscou apresentar conceitos que os heróis mitológicos compartilhavam em comum, mas acabou trazendo à luz uma fórmula que seria utilizada por diversos contadores de histórias, no decorrer das mais diversas épocas: a jornada do herói. A jornada do herói. Disponível em:  https://expertdigital.net/a-jornada-do-heroi-pode-levar-seu-marketing-de-conteudo-a-novas-alturas/#gsc.tab=0 . Acesso 19 jun. 2020. A jornada do herói começa no mundo como conhecemos, ou como nos é apresentado na narrativa. O herói arquétipo, figur...

Ajudante da professora

Não é que minha infância tenha sido diferente da do resto do mundo, mas o fato é que eu nunca me senti alguém normal. Ainda no pré-escolar, haviam outras 32 crianças que estudavam comigo. A cada dia do mês, dependendo da ordem alfabética da lista de chamada, um(a) aluno(a) era escolhido(a) para ser ajudante da professora . As tarefas de um ajudante eram simples: apagar o quadro negro; buscar água para a professora; garantir que os colegas de classe voltassem para a sala após o recreio; e outras tarefas simples como essas. Meus colegas de classe viam no fato de ser ajudante uma oportunidade de serem mais "respeitados". Era como se tornar o braço direito da xerife em uma região de desigualdades. Ser elegido como ajudante era equivalente a ser condecorado, pelo próprio presidente da república, com uma medalha por salvar a pátria. Entretanto, eu não pensava da mesma forma. Para mim, era um verdadeiro castigo ser ajudante da professora! Quando cr...