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Meu caro Cético,
Espero que esteja bem. Na igreja, temos pensado muito em você. Alguns com certo receio, não nego, visto o que aconteceu na sua última visita*. A verdade é que houveram irmãos que inundaram a boca com blasfêmias, enquanto outros ainda tentavam entender a profundidade do ocorrido.
O mais difícil para mim foi observar o modo como as suas perguntas ficaram pairando pelo ar, soltas como quando um vendaval carrega pequenos pedaços de papel, sem lugar para se assentar. Foi isso, no final das contas, que me fez entender que houve um propósito divino por trás de tudo. Um propósito que, aliás, me levou a escrever essa carta.
Às vezes apenas quando se passa um temporal é que vemos quanto certas construções são fortes. Depois que você foi embora, a fé de alguns irmãos se mostrou rasa demais, ficaram abaladas. Algumas fraquezas foram reveladas, às vezes de pessoais que jamais imaginaríamos... A verdade é que só sobrevivem na nossa crença aqueles que perseveram e conseguem, com a ajuda de Deus, entender que as tormentas também são necessárias. Afinal, só aprendemos a nos levantar depois que caímos.
Por sorte, eu já havia percebido isso há um tempo... Então quando a tempestade veio, não fui uma das que foram levadas por ela. Quando tinha mais um menos a sua idade, eu também costumava fazer muitas perguntas. Minha avó me ensinou a ler a Bíblia, decorar algumas passagens, mas com o tempo percebi que faltava algo a mais no tempero daquela sopa de letras. Faltava alguma coisa que ninguém que eu conhecia poderia me dar.
Não por acaso, depois de anos convivendo com esse vazio em formato de dúvidas, enfrentei a maior tempestade da minha vida: passei por uma depressão severa. Claro que, no começo, busquei preencher esse oco com outras coisas. Sempre tive uma paixão pelos livros, então aos vinte anos já havia lido uma faixa de quarenta volumes: entre teóricos, romances clássicos e até poesias escritas por ateus. As dúvidas, porém, continuavam lá. Na verdade, nada conseguia respondê-las, embora houvesse aquelas que parecessem mais promissoras, porque quando vinha a chuva... As certezas se desmanchavam tão facilmente quanto um torrão de açúcar.
De fato, as perguntas só se dissiparam alguns anos depois quando algo aconteceu fora dos livros. Foi quando percebi que aquilo que eu buscava não estava escrito em nenhum lugar. Eu queria respostas que apenas Deus poderia me dar.
No começo até duvidava. Era algum tipo de esquizofrenia? Mas Ele me surgia em pensamentos, sonhos. Chamava-me "vem" numa entonação tão forte... Mas quem eu achava que era? Seria digna de ser chamada por Ele? Para onde deveria ir? Por quê? Olha, para essas perguntas eu nunca tive respostas, só que pela primeiras vez na minha vida eu estava feliz assim mesmo.
E foi por isso que eu fui...
Porque a Sua voz me curava.
Seu chamado me enchia de esperança.
Com Ele, por instantes, eu voltava a ser criança.
Não me preocupava com mais nada.
Só isso importava. Só isso. Nada além.
Nem o que os outros achavam. Nada.
O que descobri nos lugares por onde caminhei posso até contar caso queira, mas talvez em outro momento. Esta carta já está razoavelmente comprida, e... Enfim, não quero me estender mais. Agora, tudo o que realmente desejo é apenas propor alguns pensamentos. Não espero que acredite no que eu escrevo, nem acho que você vai ler exatamente tudo o que eu propor, mas se por acaso você se interessar...
Se suas dúvidas forem sinceras...
Se você realmente estiver sedento por respostas...
Se deseja, em seu íntimo, conhecer a nossa fé...
Talvez eu possua algo a dizer.
Estou contando com muitos "se", é verdade. Mas sabia que eu entendo exatamente o que você está passando. Vou continuar orando, torcendo, para que um dia, quem sabe...
Ciça Ribeiro,
30 de julho de 2014.
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* Cético me resumiu brevemente que Dona Ciça se referia aqui a um episódio específico, algo que aconteceu durante a sua última visita à igreja cristã de sua comunidade. Na ocasião, decidido a bancar o advogado do diabo, ele fez várias perguntas "difíceis" para todos os crentes que ali se encontravam. Na ocasião, ele não estava sendo curioso, mas sim maldoso. Perguntou por que Deus permitia que tragédias acontecessem com pessoas boas, ou por que Ele não acabava com a fome no mundo, e coisas desse tipo. No fundo, porém, ele não queria respostas. Tudo o que buscava era importuná-los, fazê-los questionar aquilo em que acreditavam. Para alguns, segundo a própria Dona Ciça, sua tática pareceu funcionar, embora Cético tenha se demonstrado arrependido de tudo o que disse.
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