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Meu caro Cético: pai presente

Design: @alanemouras


Meu caro Cético,

Você certamente não compreende a alegria que me deu receber a sua resposta. Não achei que realmente tivesse lido o que escrevi. De fato, a carta que mandei acabou ficando muito comprida. Mas isso é algo que pretendo consertar nos meus próximos envios (a começar por este, inclusive).

Não, Cético, eu de fato não pretendo encerrar as minhas palavras por aqui. Até pelo tamanho da carta anterior, acho que ficou claro o quanto falar sobre a minha fé me agrada. Deus é uma fonte inesgotável de assunto e será um prazer seguir falando sobre Ele.

Bom, dito isso, deixe-me confessar: eu nem sei por onde começar. A Bíblia direciona para o Gênesis, mas acho que prefiro quebrar um pouco as regras. Na carta que você me enviou, percebi que ficou com curiosidade a respeito do meu encontro com Deus. Você perguntou até que ponto considero o meu chamado, ou a minha relação com Ele, como uma coisa da minha cabeça, uma loucura.

De fato, meu caro, não foi fácil me convencer do contrário. Na época, eu já não esperava muito da vida. Estava no limite, esgotada. E então eis que, de repente, surgiu um sentimento tão forte que jamais poderia ter sido criado por uma mente como a minha (principalmente estando doente como estava). Foi algo que me arrebatou, superou todas as minhas desconfianças e me fez sentir acolhida. Tenho a impressão de que Deus me abraçou como a uma criança desesperada, que na inocência busca por repouso nos braços de seu pai.

A verdade, Cético, é que essa minha relação com Deus se justifica perfeitamente numa concepção de paternidade. Só que o meu pai biológico pode até falhar em seu papel, mas o meu Pai que está no céu me sustenta (Salmo 54:4), me ama (João 3:16), perdoa as minhas ofensas (Salmo 32:1-7), me disciplina (Deuteronômio 8:5) e me protege (Salmo 91:1-16) com perfeição. Então sim, meu caro, Deus é o meu Criador, sempre foi, mas tudo só mudou depois que eu percebi que Ele também poderia ser meu Pai!

Mais do que um pai que apenas cria e depois parte, Deus representa uma figura paterna que está sempre presente. Ele, na verdade, é o modelo do sujeito masculino que toda família deveria ter. Porém sabemos que nem sempre as coisas são dessa forma. Qualquer homem pode fazer um filho, mas nem todos têm a capacidade de cuidar continuamente deles... E quando falo "cuidar" quero dizer realizar todas as ações do parágrafo anterior: sustentar, amar, perdoar, disciplinar e proteger. Não sei se é possível ser um pai tão perfeito quanto Deus, mas a verdade é que muitos nem se arriscam a tentar.

A relação entre pais e filhos também não deve pender apenas para um lado. Não é porque sou filha que não tenho nenhuma obrigação. Na verdade, toda relação precisa ser recíproca para se manter saudável. Acho que devemos buscar agradar a Deus da mesma forma como buscamos agradar a um pai, meu caro Cético. Quando temos um plano, devemos pedir Sua opinião experiente. Quando passamos por um momento ruim, devemos pedir força para nos sustentar. Quando nos arrependemos de um erro cometido contra um irmão, devemos pedir por perdão. Quando nada dá certo, devemos confiar.

É objetivo de um pai que seus filhos sejam sempre melhores e mais fortes, Cético. Mesmo crentes, passamos por tormentos sabendo que momentos ruins às vezes são necessários. Como pérolas nascem em conchas, a dor também forja nossas virtudes. E o pai que não ensina seu filho a passar pela dor não é o mesmo pai que o ama. Eu passei pela dor, meu caro, mas o amor de um verdadeiro Pai me curou.

Enfim, eu prometi que nessa carta não me estenderia e pretendo cumprir com a minha palavra. Em resumo, Cético, conhecer a Deus transcendeu tudo o que eu acreditava saber. Talvez eu concorde com a premissa dos sentidos. Se eu por acaso provar uma torta, posso muito bem te descrever o sabor que ela tem no meu paladar. Entretanto, Cético, você nunca vai entender exatamente o sabor dessa torta se você não experimentar. Do mesmo jeito é a minha relação com Deus. Eu posso até tentar descrevê-la, mas se você não tiver uma relação com ele... Dificilmente vai conseguir me entender.



Ciça Ribeiro,

9 de outubro de 2014.


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