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Nesses últimos dias, tenho pensado muito sobre essas cartas que há tanto tempo procuro enviá-lo assim, indefinidamente. Você deve ter notado, inclusive, que a própria frequência com que as escrevo diminuiu consideravelmente nos últimos dois ou três anos. A verdade é que a inspiração tem me surgido muito devagar, pois meus velhos neurônios já não trabalham do mesmo jeito... Agora eles caminham preguiçosamente pelo avançar da idade. Além disso, às vezes os dias nublados nos fazem questionar até mesmo as pequenas coisas, ou melhor, "principalmente" as pequenas coisas. Pergunto-me, afinal, se é chegada a hora de colocar um justo ponto final nessa história.
Não se preocupe. Acho que esse ainda não é o fim. Sequer planejei um desfecho digno, ou uma última mensagem que vale a pena ser mencionada. Penso que, assim como os passarinhos recebem de Deus a sabedoria de entender quando é a hora de partir em revoada, do mesmo modo também saberei quando chegar o momento oportuno de escrever a derradeira carta. Não vou cravar se será a próxima, embora pense que sim, porque tenho andado angustiada demais em relação ao futuro para fazer um palpite minimamente certeiro. Não pense, desde já, que me deprime a certeza da morte iminente, pois esta certamente não consome um espírito que volta às mãos de seu Criador. O que me angustia é imaginar o depois, pensar em como viverão os meus nesse mundo cada vez mais caótico. Será que estarão bem preparados?
Peço que não julgue a minha desconfiança sobre o futuro da humanidade. Deus é testemunha do quanto gostaria que todas as vitórias que presenciei fossem suficientes para alimentar eternamente o meu espírito de esperança. Entretanto, já estamos vivendo uma época em que cada vez mais consumimos bobagens para disfarçar o vazio existencial imenso que temos por dentro. É tanto que o mundo por vezes parece cada vez mais superficial até mesmo para os cristãos. Sim, porque por mais que o Pai nos abasteça de Graça em dado momento, basta caminhar mais um bocadinho na aridez desse deserto para que novamente voltemos a sentir aquela velha sede. A implacável ânsia por completude eterna.
Não há como liquidar totalmente essa sensação de vazio, meu amigo. Confesso que até admiro essas pessoas que conseguem disfarçar bem a angústia de acreditar que a vida não tem um propósito, ou que tampouco a morte faz algum sentido. Ao mesmo tempo, entretanto, também sinto pena. Como deve ser exaustivo combater a consciência dessa ânsia infinita que não compreendemos de onde vem, mas que sempre está aqui. Como deve ser desesperador não ter nada que possa preencher esse vazio ao menos por um curto tempo, um instante de alívio. Até mesmo para os cristãos, que frequentemente se sentem satisfeitos através da Graça, é difícil reconhecer o quanto essa caminhada no deserto consome, cria oásis de ilusões.
É essa geração atual, meu caro amigo, o que me preocupa para a posteridade. Os jovens cristãos de hoje possuem diversas distrações e, por isso, muitas vezes deixam de querer atravessar o deserto para chegar à terra prometida, postergando a sua busca pela própria salvação. No meio do caminho, eles se agarram a oásis e vivem uma vida de ilusão na qual o Inimigo sempre tem uma receita de felicidade instantânea, porém frívola e mortal. Cético, a verdadeira vitória de alguém não está em ter um carro do ano, um telefone da moda ou uma conta bancária milionária. A felicidade duradoura não está na degustação de comidas apetitosas, no experimento de bebidas alucinógenas e certamente também não está no consumo de drogas. O fim de todo esse vazio existencial é a Graça, meu amigo, a maneira como o Espírito nos enche da presença de Deus e nos promove a paz absoluta mesmo em meio ao caos.
É isso o que ensino aos meus e que gostaria que eles ensinassem aos demais, meu amigo: que procurem servir ao Deus vivo, que atravessem o deserto até o final, e que no percurso não se deixem distrair pelas tentações, pois assim certamente encontrarão a verdadeira paz e a legítima satisfação da vida eterna.
Por enquanto, meu amigo, seguirei tentando imaginar um final digno para essa nossa odisseia. Desde já peço que me envie suas perguntas, caso realmente as tenha, pois tentarei responder o que estiver ao meu alcance no último fôlego desse velho punho.
Ciça Ribeiro,
29 de dezembro de 2019.
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