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Veja como são as coisas. Na última carta, fiquei responsável por elaborar uma mensagem derradeira, mas agora cá estou eu tentada a escrever algumas palavras. É que há dois meses descobri que estava infectada pelo vírus mortal que anda aterrorizando o mundo inteiro*. Ainda estou isolada, mesmo sem apresentar sintomas da doença, devido a orientações médicas. Os doutores acreditam que pessoas idosas que possuem os chamados "fatores de risco", assim como eu, podem estar mais propensas a sofrer as mais trágicas consequências dessa infecção.
Assim, meu amigo, posso te dizer que me sinto bem apesar de tudo. Pela graça de Deus, pude realizar o meu tratamento em casa. Mantive-me isolada durante os últimos dias, presa sozinha em meu quarto apenas para evitar também a infecção de outros membros da família, mas nesse período de silêncio comecei a pensar em escrever uma penúltima carta. Uma carta cujo conteúdo deveria explicar novas angústia que me surgiram em relação ao futuro (dessa vez de toda a humanidade e não apenas dos cristãos) depois de tudo isso.
Mesmo você já deve ter ouvido, meu amigo, histórias sobre o último livro da Bíblia: "Apocalipse". Essa palavra, ao contrário do que muitos pensam, não significa "fim do mundo" ou "cataclismo", mas sim "revelação". Supomos que o livro tenha sido escrito pelo apóstolo João, através de um relato inspirado por Deus, no momento em que esteve exilado na ilha de Patmos. Na ocasião, João teria narrado uma revelação do final da era, algo que acreditamos estar no futuro de todo o planeta como um evento que até mesmo os descrentes devem testemunhar. Para os cristãos, esse evento culminaria na segunda vinda de Jesus Cristo (o que chamamos "Parusia" ou "Dia do Senhor"), o qual Ele surgiria entre as nuvens do céu com grande poder e glória (Mateus 24:30).
A questão é que, antes da chegada desse vírus, para mim era inimaginável pensar em um acontecimento que pudesse movimentar o mundo inteiro, pois sabemos que o nosso planeta está repleto de culturas e credos completamente diferentes, bem como de pessoas que aparentemente jamais se uniriam em prol de um objetivo comum. Por causa de um vírus, porém, percebi que essas mesmas pessoas diferentes podem sim adotar um único ritual, nem que seja de higienização, em prol de um mesmo objetivo. Com isso, pensei: se até uma coisa tão ínfima quanto um vírus, que sequer conseguimos ver a olho nu, pode ter consequências globais, quem dirá a volta de Cristo? Nesse sentido, meu amigo, tudo o que li em Apocalipse nunca pareceu tão próximo da realidade.
Não é meu objetivo parecer uma velha fanática que anda por aí dizendo data e hora do fim do mundo, pois até mesmo o próprio Cristo disse que somente o Pai tem essa informação (Mateus 24:36). Entretanto assim como o agricultor que, apenas vendo se renovarem os ramos da figueira, sabe que o verão está chegando, o cristão geralmente percebe essas mudanças no mundo como sinais da volta de Jesus. E não é que buscamos essa interpretação apenas para que possamos nos preparar, mas com isso almejamos também clamar às pessoa "descrentes" que se arrependam de seus pecados e que procurem redenção em Cristo enquanto ainda é tempo.
O Apocalipse diz que a volta de Jesus deve ser posterior a um período de grande tribulação, uma época que o mundo sofrerá como "dores de parto" (Romanos 8:22; Apocalipse 12:2). Agora interpreto essa grande tribulação como um conjunto de acontecimentos globais que movimentarão toda a população mundial, crente ou não, para uma única direção. Diante dessa realidade, Cético, o que me conforta é saber que o nosso Cristo salvará a quem perseverar em Seu nome (Mateus 24:13).
Na aflição, cabe aos cristãos encontrar força no Senhor que venceu o mundo (João 16:33), mas e aos não cristãos? O que será deles? Em qual certeza se agarrarão quando o mundo inteiro se reduzir a pó? Para quem hão de implorar por misericórdia? Por esses, meu amigo, é que angustio-me desde já.
Ciça Ribeiro,
23 de setembro de 2020.
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* A julgar pela data da carta e o que acontecia no mundo nesse período, dona Ciça certamente se refere aqui ao coronavírus COVID-19, que foi responsável pela morte de milhares de pessoas. Apesar de ter sido diagnosticado pela primeira vez no final de 2019, apenas a partir do início do ano de 2020 o vírus "explodiu" no mundo inteiro, causando o isolamento de bilhões de pessoas em todo o planeta.
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