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Meu caro Cético: a proteção na guerra

Design: @alanemouras


Meu caro Cético,

Permita-me dizer que não fiquei surpresa com a sua dúvida*. Na verdade, até mesmo alguns cristãos têm dificuldade para entender essa minha fala. Mas as coisas realmente são assim. A vida do verdadeiro cristão nesse mundo tende a ser sempre muito difícil. E embora existam muitas teorias para justificar essa inadequação espiritual/existencial da gente, pessoalmente acredito que isso aconteça porque, desde o princípio, não fomos criados para viver aqui.

Mesmo quem não leu a Bíblia, meu caro, já deve ter ouvido falar sobre a história do Jardim do Éden, o lugar em que Adão e Eva viviam em paz antes do Pecado Primordial (Gênesis 2-3). É fácil deduzir a partir dessa história que não fomos criados por Deus para viver nesse mundo em que hoje estamos. Isso é, na verdade, uma consequência do nosso erro. Fomos criados para viver em um Reino de Eternidade, meu caro. O que torna difícil a nossa vida aqui é que as consequências da escolha de Adão e Eva reverberam até hoje.

Eu acredito que Deus tenha criado tudo o que existe, inclusive esse mundo, mas acho que hoje muitas pessoas doam essa terra, ou abrem espaço em seu coração, para outro Inquilino, um verdadeiro Inimigo da nossa fé. E como estrangeiros vivendo na nação de um tirano, meu caro, digo sem medo: é esse sujeito quem muitas vezes dificulta as coisas para nós. O Diabo é o ícone do pecado, mas não pretendo aqui contar a sua história, pois acredito que muitos autores já tentaram, e até conseguiram, fazê-lo antes. Em especial posso citar, se o amigo tiver alguma curiosidade a respeito, a obra "Paraíso Perdido" de John Milton.

Nesse livro está assinalado um trecho que jamais me esqueci: "Reinar é o alvo da ambição mais nobre, inda que seja no profundo Inferno: reinar no Inferno preferir nos cumpre à vileza de ser no Céu escravos" (Canto I). Essa fala diz tudo a respeito de personalidade do Diabo. Ela diz que seu orgulho é tão grande que lhe faz preferir reinar no Inferno a servir Deus no Céu. Em outra oportunidade até posso falar mais a respeito disso, mas agora deixe-me explicar como penso: acho que esse mundo é, como o coração do homem, uma zona neutra, um lugar onde nem Céu e nem Inferno realmente têm prioridade.

Só que uma zona neutra também é perigosa, Cético. Tanto na terra quanto no coração do homem, uma zona neutra é como uma trincheira na guerra: está disposta a sofrer invasões a qualquer momento. E daí vem a luta do cristão nesse mundo. Uma vez que o Diabo reina na vida de alguém, não existe razão para disputa. Quando nos entregamos ao pecado já estamos condenados. Mas quando, por outro lado, buscamos acessar um outro Reino... Quando passamos a caminhar na direção de Jesus, quando procuramos por Salvação, então automaticamente instigamos o Inimigo a investir numa guerra contra nós. Os verdadeiros cristãos são ameaças diretas ao reino do Diabo e é por isso que ele tenta nos atacar com frequência, dificultando os nossos passos sempre que pode. 

É por isso que devemos nos arrepender, renunciar aos nossos pecados e orar para que Deus nos acolha como um pai que nos conhece profundamente e que, na Sua justiça e misericórdia, deseja nos proteger, nos disciplinar, nos perdoar, nos amar e nos sustentar. O que temos que fazer, Cético, é entregar nossas vidas nas mãos Daquele que nos criou e confiar que Ele detém o poder sobre todas as coisas. Nada pode parar àquele que foge do reino do Diabo e busca o Reino do Pai na sua verdade. E não é que este último esteja tão distante da gente. Segundo Jesus bem veio anunciar, o Reino de Deus está muito próximo de nós (Marcos 1:15).

Devemos seguir os ensinamentos daquele que venceu o mundo e as suas aflições (João 16:33), Cético, mesmo quando tenhamos que renunciar a nós mesmos. Jesus Cristo é, e sempre será, o caminho, a verdade e a vida do verdadeiro cristão. Sabemos que nenhum de nós conseguirá um dia viver no Reino de Deus se não seguir os passos dEle (João 14:6). No final das contas, são as virtudes do Filho que melhor revelam a bondade do Pai.

Ah, meu amigo... Essa carta ficou longa, não é mesmo? A verdade é que ainda encontro dificuldades para ser sucinta em minhas palavras, mas prometo me empenhar nas próximas cartas para que você não precise sempre estender demais a sua leitura, está bem? Por enquanto apenas espero ter respondido a sua dúvida.


Ciça Ribeiro,

13 de março de 2015.


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* Depois de ler a carta intitulada "O pai que disciplina", Cético fez questão de questionar Dona Ciça a respeito da sua fala anterior, mais precisamente o trecho em que ela diz que a vida do cristão costuma ser "tortuosa" e "difícil". Dona Ciça, portanto, começa essa carta explicando essa fala em específico, pois percebeu que Cético ficou confuso.



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