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Meu caro Cético: a jornada termina

Design: @alanemouras

Meu caro Cético,

Esperei, durante algum tempo, por perguntas suas antes de escrever essa carta*. Porém, como novas questões não chegaram até mim, arrisquei-me a propor esses últimos parágrafos para encerrar essa história. Eu imagino que você esteja farto desse tipo de leitura. Garanto, para tranquilizá-lo, que a minha intenção hoje é encerrar de uma vez por todas esse ciclo, ainda que encontre alguma dificuldade para pensar no que efetivamente devo dizer. Por causa disso, estive rascunhando várias páginas em branco, até que enfim me surgisse uma ideia oportuna que me inspirou: e se essa fosse a última oportunidade que tenho de falar a alguém que amo, o que eu lhe diria?

Essa não é uma questão fácil, meu caro. Creio que o pior castigo do ser humano foi ter perdido a sua eternidade. Até porque, se todos tivessem a certeza do "sempre", não precisaríamos nos preocupar com um mero "até logo". Mesmo para nós cristãos, que acreditamos na eternidade como uma possibilidade real, jamais será fácil pensar na finitude do que deixamos para trás quando a jornada termina. Proponho, portanto, uma enumeração bem rápida das coisas que gostaria de dizer àqueles que amo e que espero, algum dia, reencontrar na glória de Deus:

  • Amem primeiro ao Pai. Não concedam a outro alguém o altar de suas vidas, ou mesmo o poder de destruir os seus sonhos ou de desestabilizar os seus sentimentos. Mantenham o foco no Senhor, ofereçam a Ele os seus projetos, pois apenas em Deus, e na Sua infinita bondade, encontraremos a vida eterna, a paz e o amor verdadeiro. Lembrem-se de que o sábio é aquele que edifica a sua casa na rocha (Mateus 7:24-25);
  • Amem aos outros como a si mesmos. Nem mais e menos. Perdoem, compartilhem o que sobra e tentem entender as dores das pessoas assim como fazem a si mesmos. Lembrem-se de que não cabe a vocês julgar o passado ou o presente dos outros, mas que através do amor em Cristo devem sim acolher a todos os necessitados (espiritual ou materialmente falando) com equidade (Mateus 7:1-5; Romanos 2:1-16; João 7:24);
  • Orem e estudem a Palavra. Busquem pelo conhecimento, seja individualmente ou em grupo, pois isso dará a vocês autonomia e sabedoria para distinguir os artifícios das trevas e a voz de Deus a guiar os seus caminhos (Provérbios 2:4-6);
  • Busquem ao Pai e vocês sempre O encontrarão. Às vezes tendemos a julgar os nossos próprios erros, achando que os pecados que cometemos não são dignos de perdão e que, portanto, não vale a pena apresentá-los ao Pai e procurar o arrependimento. Lembrem-se, entretanto, de que a própria Bíblia está abarrotada de exemplos da grande misericórdia de Deus e do quanto, para Ele, nada é impossível. Quando se sentirem assim, leiam Lamentações 3:22-23, Salmos 100:5, Salmos 145: 8-9 e entendam, de uma vez por todas, que a redenção está à porta daqueles que se arrependem em espírito e em verdade;
  • Procurem ao Pai também na alegria. Deus busca uma comunhão conosco, mas muitas vezes erramos ao tratá-Lo como um tipo de remédio, algo que apenas procuramos para curar uma dor. Se até mesmo em uma relação comum ninguém merece ser tratado dessa forma, com Deus não será diferente. Ao alegrar-se, prostre-se também e agradeça pelas bençãos alcançadas;
  • Seja grato mesmo pelas tempestades, pois elas muitas vezes indicam o amor genuíno de um Pai que deseja provar (ou legitimar) o que há de melhor em você. Lembrem-se de que quem verdadeiramente anda com o Senhor de nada sentirá falta (Salmo 23);
  • Aceitem as suas limitações, lembrem-se de que ninguém vai a lugar nenhum sozinho. E assim, mesmo quando o sacrifício exigir a solidão, entreguem suas angústias nas mãos de Deus e deixem que Ele aja com justiça e sabedoria em suas vidas (Salmos 37:5).

Pronto, meu amigo, isso é tudo o me resta a dizer. Sei que para um não cristão alguns desses conselhos podem não fazer sentido, mas nesse caso sugiro que pense nessas medidas pela sua importância para a manutenção da vida e para melhoria do convívio com aqueles que estão à sua volta. Para além dos mandamentos que eu tento seguir, os quais foram revelados desde Moisés, entendo que o segredo de uma vida mais feliz está exatamente nessas propostas que listei. Realmente acredito que é buscando o amor, a paz e o conhecimento que podemos nos tornar pessoas melhores.

Dito tudo isso, desejo a você tudo de melhor. Acho que já mencionei em algum momento que nunca foi meu objetivo convencê-lo da existência ou da obra de Deus nesse mundo. Rezo e, portanto, tenho fé de que um dia isso acontecerá naturalmente, pela intervenção do Espírito Santo. Apenas peço que abra o seu coração, meu amigo, nem que seja para dar repouso a sua mente inquietante. Um forte abraço!


Ciça Ribeiro,
07 de março de 2021.


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* Dona Ciça havia sugerido, ao final da carta intitulada "Sede de eternidade", que Cético lhe enviasse suas últimas dúvidas a respeito de experiências da fé que ela nutria. No entanto, meu amigo não a respondeu. Eu cheguei a questionar Cético a razão disso e ele me garantiu que não sentiu a necessidade de fazer mais perguntas, pois a crença dessa mulher parecia tão genuína quanto a sua inteligência. "Independente do que eu perguntasse", disse-me, "ela acharia argumentos a favor daquilo que acreditava". Em outro momento, no entanto, Cético me confessou que havia perdido o interesse pelo conteúdo de suas cartas, mas dizia-se arrependido por isso.




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