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Personalidade e escrita autoral

"De pernas para o ar"
23 de setembro de 2019

A ânsia de criar algo inédito costumava me frustrar bastante. Sempre que queria propor um assunto que me chegava às custas do próprio raciocínio, brotava da história um excelente autor que já havia pensado o mesmo, só que a centenas de anos antes de mim. Então logo percebi: eu não me encontraria na prateleira dos pensamentos novos, mas talvez sim entre os recantos dos estilos inovadores.

A escrita autoral é, além de escrever um texto bom e complexo, ser reconhecido apenas pela forma peculiar e pessoal de narrar uma ideia que não é minha. No final das contas, é por isso que a personalidade na escrita autoral é indiferente ao tema ou ao gênero literário. O lugar onde deve prevalecer a originalidade não é sobre o que se faz (a ideia), mas sobre o como se faz (a execução da ideia).

Mas executar com inovação uma ideia já criada também exige muito, exige tudo. No final das contas, o impulso deve surgir de um ponto de partida que até então parecia improvável, pois revela-se íntimo até demais: compor pelo viés das próprias experiências, aguçando a forma particular de sentir e enxergar as coisas em volta, é a forma mais nobre de dar asas à personalidade do contador de histórias que vive dentro de cada um de nós. No fim, mesmo havendo um ou outro pensamento parecido, nada nunca será igual. Ninguém, nunca, é exatamente igual. E essa é a singularidade.

Mas nunca há outra forma de aprender a se reconhecer: é fundamental a prática regular sobre a própria escrita! Nesse mundo, quase 100% do que aprendemos provém de tentativas, muitas vezes, fracassadas. Mas autoconhecimento também implica paciência. Imprimir parte da minha personalidade na escrita não foi algo que me aconteceu do dia para noite. Houveram buscas inimagináveis. Houve o encontro de um repertório literário repleto de autores com os quais valia a pena aprender algo (ainda que seja um exemplo do que não fazer).

Por fim, adquirir experiências na área da escrita criativa é percorrer e persistir no exercício do autoconhecimento. É por isso que, quando me canso de procurar por algo novo, mergulho dentro de mim mesma. Sei que, muitas vezes, uma simples lembrança de infância pode conter um pote repleto do mais bonito e valioso ouro, pois reviver as memórias, seja as boas ou as ruins, é o que me faz única no mundo!

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