Pular para o conteúdo principal

O passo a passo da criação de histórias

"O emaranhado de ideias"
19 de setembro de 2018


O "sucesso" é relativo. Para quem trabalha na efervescência da bolsa de valores, alcançar o sucesso resume-se a ganhar dinheiro. Por outro lado, para um socorrista do Samu, ter sucesso é muito mais do que conquistar dinheiro, é salvar vidas. O sucesso na indústria literária atual advém de uma grande concorrência. No mercado, nos vemos obrigados a ser original e a ousar a qualquer custo. Usamos capas apelativas, abusamos de títulos abrangentes, e nos preenchemos de conteúdos duvidosos e sensacionalistas... Mas, no mundo em que o sujeito da bolsa de valores e o socorrista do Samu convivem em alguma harmonia, cabe a cada um escolher: em quê consistirá exatamente o sucesso que quero ter?

Há receitas, sempre. Algumas superficiais e outras profundas. Porém, o que parece ser comum em todas elas é a reprodução. Afinal, todo autor deseja ser lido. E, como vivemos aos confins de um mercado consumista e exigente de todos os ângulos, cabe saber como isso pode ser possível. É por isso que, ainda assim, paira a dúvida: como se consegue cumprir com a expectativa do mercado apenas seguindo esquemas, reproduzindo processos criativos como se eles fossem receitas de bolo? A resposta é óbvia: não seguindo o modelo A ou B, e não estabelecendo nele quaisquer expectativas. É preciso criar o seu próprio jeito de inovar as velhas ideias.

Deve-se sentir a liberdade de falar sobre qualquer assunto, fazer críticas ou simplesmente narrar sem grandes pretensões. Essa liberdade dirá que o modo de criar de fulano não precisa ser parecido com o modo de criar de cicrano, pois são os diferentes pontos de vista que mais tarde podem contribuir para uma originalidade e, a longo prazo, para a construção de uma identidade autoral. Entretanto, reconhecer essa liberdade significa também saber dosá-la. Não é porque se tem total possibilidade criativa que seja necessário arriscar qualquer coisa, misturar tudo e mais um pouco numa sopa de letras sem nenhum propósito compreensível ou mesmo válido. É preciso aprender a direcionar tamanha liberdade, e a melhor forma de fazer isso é conhecer bem as fronteiras da própria criação.

O que nos delimita cabe nas estruturas de gênero literário, mas também em nossa própria proposta. É importante analisar e reconsiderar fatores que visam a perda de foco da história, ou o "fio da meada" da narrativa. Enxergar uma situação por diferentes ângulos é inato para alguns, mas completamente apreensível para outros. Para conseguir isso é preciso aprender a reconhecer os padrões e aprender também a apontar problemas (fazer perguntas) para que, ao mesmo tempo, possamos propor soluções (formular respostas).

Muitos escritores hoje não se conformam com a valorização da crítica em relação a obras com temáticas simples, muitas vezes até cotidianas. A verdade é que os temas mais simples exigem mais do autor porque o faz buscar alguma originalidade na maneira de compor suas histórias. E é isso o que, no final das contas, os críticos mais valorizam: originalidade. Em 2010, por exemplo, um peruano chamado Mario Vargas Llosa ganhou o Prêmio Nobel de Literatura pelo livro "Pantaleón y las visitadoras". A história proposta por ele é simples do ponto de vista narrativo, pois não possui grandes reviravoltas como nos romances de Dan Brown, mas além da temática extremamente crítica um dos fatores que pode ter lhe rendido esse prêmio foi também o ângulo especial que o autor escolheu para narrar sua trama: ele escreveu a história utilizando-se apenas dos diálogos, falados e escritos, entre os seus personagens.

Claro que você não é obrigado a agradar a crítica, embora seja uma coisa muito boa (não sejamos hipócritas). O mais importante na escrita de uma obra deve ser conseguir por para fora tudo o que se idealizou e essa, em si, já é uma tarefa complicada. A aprovação da crítica será apenas consequência de um trabalho bem articulado, a questão aqui é compreender que qualquer assunto pode ser genial desde que você saiba direcioná-lo.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Saga de Baleia

Cientistas tentam, desde remotos tempos, compreender como funciona a cabeça dos caninos. Tudo o que sabem é ainda muito limitado e pode não ser aplicado com tamanha firmeza quando falamos do Baleia. Devemos considerar que seu nome não fora forjado especificamente por seu porte físico. Baleia, na verdade, é um cão magrelo e rabugento, que fuçava os clientes de uma pequena lanchonete na tentativa de induzi-los a dar-lhe comida. Seu nome foi escolhido por sua semelhança icônica com o cãozinho Baleia, magistralmente descrita por Graciliano Ramos no consagrado "Vidas Secas", que por sua vez suponho que deve ter o escolhido por pura ironia. A saga de Baleia não durou mais que uma tarde, mas foi suficientemente distinta para valer a apreciação de alguns versos despropositais. Tudo começou no almoço, quando Baleia se aproximou com desdém da mesa onde estavam sentados quatro estudantes da UFRN. Não havia como reconhecê-los desde sempre, pois em verdade Baleia viveu sua miserá

Cabeça de Árvore

Às vezes, fico a imaginar: e se toda cabeça fosse uma árvore? O caule seria o pescoço, a sustentação, e os galhos seriam as veias, responsáveis por conduzir os nutrientes, por ligar as pontas? As folhas, na minha árvore, poderiam ser os neurônios, mas também o oxi(gênio), o ar, os pulmões? Mas o que me interessaria mais seriam as flores e os frutos, afinal, como eles se produziriam naquele jardim? Quais frutos poderiam dar a minha cabeça? Bons? Ruins? Azedos? Amargos? Doces? Aguados? Será que os passarinhos voariam até minha cabeça, comeriam os meus frutos e construiriam os seus ninhos entre os meus galhos? Será que alguém conseguiria viver nas minhas ideias e se alimentar delas? E como seria morar entre as flores novas e velhas? Imagino a confusão, a angústia das noites de inverno frio, quando os pesadelos dessem asas à boa e a má imaginação. Imagino o vento cortante a me deflorar no outono, durante uma tempestade, a me despedaçar como a decepção que cerca a realidade distante, monóto

A jornada "clichê" do herói

Já percebeu que vários heróis da ficção, e diversos personagens do mundo antigo, frequentemente apresentam algumas características em comum? Já imaginou qual poderia ser a razão disso? Pois bem, aqui você irá conhecer o legado de Joseph Campbell para as ficções e finalmente por um fim em todas essas dúvidas. O herói de mil faces  tornou-se um livro de referência aos escritores. Campbell, no entanto, era estudioso e teórico da mitologia. Nessa obra, especificamente, ele buscou apresentar conceitos que os heróis mitológicos compartilhavam em comum, mas acabou trazendo à luz uma fórmula que seria utilizada por diversos contadores de histórias, no decorrer das mais diversas épocas: a jornada do herói. A jornada do herói. Disponível em:  https://expertdigital.net/a-jornada-do-heroi-pode-levar-seu-marketing-de-conteudo-a-novas-alturas/#gsc.tab=0 . Acesso 19 jun. 2020. A jornada do herói começa no mundo como conhecemos, ou como nos é apresentado na narrativa. O herói arquétipo, figura comumen