Cientistas tentam, desde remotos tempos, compreender como funciona a cabeça dos caninos. Tudo o que sabem é ainda muito limitado e pode não ser aplicado com tamanha firmeza quando falamos do Baleia. Devemos considerar que seu nome não fora forjado especificamente por seu porte físico. Baleia, na verdade, é um cão magrelo e rabugento, que fuçava os clientes de uma pequena lanchonete na tentativa de induzi-los a dar-lhe comida. Seu nome foi escolhido por sua semelhança icônica com o cãozinho Baleia, magistralmente descrita por Graciliano Ramos no consagrado "Vidas Secas", que por sua vez suponho que deve ter o escolhido por pura ironia.
A saga de Baleia não durou mais que uma tarde, mas foi suficientemente distinta para valer a apreciação de alguns versos despropositais. Tudo começou no almoço, quando Baleia se aproximou com desdém da mesa onde estavam sentados quatro estudantes da UFRN. Não havia como reconhecê-los desde sempre, pois em verdade Baleia viveu sua miserável vida na UFPA em Belém do Pará. Os jovens em verdade jamais o teriam conhecido se não fosse um certo congresso brasileiro que estava acontecendo onde o cão morava.
Baleia sentou-se ao lado dos jovens e, com os olhos castanhos profundos, observou toda a refeição que fizeram. Volta e meia se aproximava deles olhando para baixo, emitindo ruídos que causam pena e comoção, mas sempre retornava ao seu ponto firme, sentando-se novamente a olhar a refeição dos jovens. Baleia não tinha noção de que uma parcela da mesa queria chutá-lo para longe, fazê-lo sair dali, ou mesmo que a outra parcela estivesse com pena de sua postura sofrida, das costelas que se uniam a pele da barriga vazia e a melancólica feição de seus olhos.
Certo de que comovera alguém, Baleia foi presenteado com um resto de lasanha. Comeu tudo em menos de vinte segundos e deixou os jovens partirem. Sabe-se lá qual havia sido a última vez que comeu algo, mas sua gratidão pelo gesto deles foi tão forte, que ele reconheceu os mesmos jovens horas após ter recebido seu presente. Correndo com a língua para fora, Baleia se aproximou deles e os acompanhou pela universidade como se fosse um guia. Como se agradecesse a delicadeza dos visitantes, seguiu-os fielmente por horas dentro da universidade e quase se foi com eles quando ameaçaram partir.
Os jovens admiraram sua companhia entre reclamações e fotos que, imaginem só, levaram a imagem de Baleia para outros cantos do Brasil. A persistência do cão foi vista por pessoas que Baleia se quer pôde conhecer, ou mesmo poderá algum dia. Com persistência, ele só parou quando as calorias da lasanha, o que lhe dava disposição para caminhar, acabaram. Baleia deitou-se no chão frio de um corredor, exausto e já faminto. Os jovens não esperaram que criasse força e continuasse a caminhar, e então partiram sem compromisso algum. Ninguém poderia culpá-los por isso, afinal Baleia não era nenhum cão especial com pelos bonitos, inteligente e saudável. Realmente não valeria muito a pena tê-lo propiciado uma despedida cheia de saudade.
Baleia ficou para trás, o focinho cabisbaixo e o semblante de fome. Diferente de Vidas Secas, os jovens jamais souberam se morreu ou se seguiu sobrevivendo, tentando outros clientes da lanchonete a fornecer-lhe mais um pedaço de lasanha.
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